domingo, 21 de novembro de 2021

Dos Açores

Sair da minha zona de conforto foi:

Ir de férias sozinha (férias mesmo a sério)
Fazer refeições sozinha em restaurantes (odiava.. agora já suporto!)
Não levar elástico para atar o cabelo (e não comprei nenhum)


































segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Manel

Faltavam dois dias para chegar às quarenta semanas. Acabei de remendar um dos chapéus gigantes do bar da piscina de Carvalho e levantei-me para ir escolher capulanas para as cortinas da sala e da cozinha da casa, que ainda estava em obras, mas comecei a sentir uma dor ténue e constante no fundo da barriga por isso disse à minha mãe que me ia deitar um bocadinho. Pelo caminho chamei o Telmo para lhe pedir a chave de casa e segredei-lhe que estava com a tal dor e que, se o voltasse a chamar, era para arrancarmos. Subi o lance de escadas e, à porta de casa, cruzei-me com umas pessoas que iam a passar. Tive a primeira contracção enquanto me perguntavam quando é que o Manel se resolvia a nascer. Agarrada à cerca do alpendre, consegui disfarçar e não desfalecer com aquele misto de sensações debaixo do sol ardente do início de Agosto. Lá me desenvencilhei e entrei em casa directa para a casa-de-banho. Já tinha um fiozinho de sangue. Respirei fundo, fui à janela do quarto e chamei o Telmo com o ar mais descontraído possível, para não panicar ninguém.. Ele largou o cigarro e a mini que estava a beber com o meu pai e com o dele e correu para o andar de cima. Começou a festa!
Disse-lhe para se preparar e ir buscar o carro (onde, claro, já estava a tralha toda mais que pronta) e liguei para o 112.
Rebentaram-me as águas e deitei-me, quietinha, à espera dos bombeiros. Quando dei conta, o meu pai, o meu sogro e a minha cunhada andavam dentro e fora do quarto, feitos baratas tontas, sem saberem o que fazer e eu só tinha vontade de rir. Como voltei a ter mais tarde, às vinte-e-uma horas em ponto.
Às dezoito saí de casa de ambulância, com o Rui a conduzir e a Inês ao meu lado, com contracções de três em três minutos. Que viagem longa.. Parámos na A13 para vir uma ambulância com um enfermeiro ao nosso encontro. Quando o Telmo viu a ambulância a parar na autoestrada, deve ter tido um chelique.. mas estava tudo bem, tirando o calor e as dores, e ainda lhe dei um sorriso forçado. Lá chegou o enfermeiro que nos acompanhou até à maternidade.
Dei entrada às dezanove-e-quarenta e levaram-me logo para a sala de partos. Despi-me a custo e deitei-me de lado para me prepararem para a epidural. A anestesista que entrou disse que não me dava a anestesia por causa da tatuagem nas costas e foi-se embora. Se não estivesse de costas para ela e a morrer de dores, ainda lhe tinha atirado com alguma coisa à testa. Mas não fiz nada senão bufar. Entrou uma segunda anestesista que disse que, com jeito, conseguia anestesiar-me, e avançou.  Se não estivesse de costas para ela e a morrer de dores, ainda lhe tinha dado um beijo na boca. Mas não fiz nada senão bufar. Foram os minutos mais duros da minha vida.. aguentar três contracções com um agulhão espetado nas costas e não me poder mexer. Depois vieram os minutos mais drogados da minha vida.. a primeira contracção pós epidural foi soft, a segunda mais soft ainda e a terceira até soube bem. Tão bem que perguntei à enfermeira, que já era a única pessoa na sala, se podia dormir um bocadinho. Estavam duas mães nas outras salas de parto a gritar que nem loucas, e se era para gritar assim, eu precisava de recuperar forças. E entretanto nada de Telmo..
A enfermeira sorriu e disse-me que podia descansar enquanto levantou o lençol para ver como estava de dilatação. Baixou rapidamente o lençol e começou a chamar a malta. Presumi que o meu sono teria que ficar para depois. Ao entrarem na sala, cada um assumia tarefas e posições. Rapidamente montaram umas pegas gigantes na cama para que eu pudesse puxar como se estivesse a remar. E nada de Telmo.. - Faça força, faça força!!!
O Telmo, que tinha estado sentado do lado de fora com mais um pai, às tantas viu um aviso a dizer que não se podia entrar na sala de chinelos. Com receio de não o deixarem entrar, desceu de elevador, calçou uns ténis (ele chama-lhes sapatilhas) que tinha no carro e voltou a tocar à campainha para aceder à zona de partos. Como estava tudo ocupado com duas a berrar e eu a começar a parir, teve que esperar algum tempo até lhe destrancarem o acesso. Assim que saiu do elevador, tinha uma auxiliar com uma bata na mão a mandá-lo correr porque o Manel já estava a nascer.
Eram precisamente vinte-e-uma horas quando sorri ao ver a cara dele a entrar na sala de partos, de frente para o Manel, que já estava com a cabeça de fora e escolheu aquele preciso momento para soltar o resto do corpo de dentro de mim. Coitado, que belo cenário!
Apressou-se a vir para o meu lado, de onde não conseguia ver o espectáculo mesmo de frente.. o Manel chegou com o cordão umbilical à volta do pescoço e meio engasgado, por isso foi espremido e logo levado para a sala de apoio, onde o limparam e vestiram. Só o vi quando o Telmo o trouxe já arranjadinho, muito branco e com os lábios muito vermelhos. Na altura pareceu-me lindo de morrer, agora, vendo as fotos, nem tanto!
Mamou ainda na sala de partos e lá seguimos sobre rodas para o quarto com o pai ao lado. Acho que o transe me tolda um pouco a memória a partir daqui e durante alguns dias. Estava a viver a maior felicidade da minha vida mas muito cansada e esfomeada. Antes que a enfermeira que nos acompanhou se fosse embora, disse-lhe que não comia desde as duas da tarde e estava com muita fome. Respondeu-me que àquela hora (vinte-e-duas e trinta) já só tinham pacotes de leite e bolachas.. Mas era impossível eu recuperar de um parto com leite e bolachinhas!!! A única solução era o pai ir a qualquer lado comprar comida, por isso foi ao McDonald's e trouxe um Big Mac para cada um, que comemos em cima da cama em jeito de piquenique enquanto o Manel dormitava cá fora pela primeira vez. 

E hoje.. hoje faz um ano!


sexta-feira, 16 de março de 2018

Palavras novas

se·ren·di·pi·da·de 
(inglês serendipity)
substantivo feminino
1. A faculdade ou o acto de descobrir coisas agradáveis por acaso.
2. Coisa descoberta por acaso.

Sinónimo Geral: SERENDIPISMO


"serendipidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/serendipidade [consultado em 16-03-2018].

quinta-feira, 15 de março de 2018

Gosto para tudo

Gosto de ouvir de manhã o trânsito de Lisboa enquanto percorro 10 km pelo meio da natureza e encontro, com sorte, um carro ou dois. Gosto de estacionar o carro sempre no mesmo sítio. Gosto de dizer bom dia a quem por norma bebe café às oito e cinquenta e cinco no mesmo estabelecimento que eu. Gosto de ver o sorriso da D. Maria enquanto me cumprimenta sempre com boa disposição. Gosto de poder ir trabalhar de ténis e de ter roupa de backup no cacifo do quartel. Gosto de ir almoçar a pé e de encomendar coisas que mais tarde vou buscar. Gosto de dormir vinte minutos de sesta na camarata e de ter um despertador às treze horas e cinquenta minutos. Gosto de andar à chuva e de cheirar a terra. Gosto de arrumar a casa e de ter um compostor. Gosto de organizar tudo e também gosto de atirar as cartas ao ar e recomeçar mais uma vez.

terça-feira, 13 de março de 2018

Do amor

Conheço histórias de amor de uma vida inteira, daquelas apaixonantes e fofinhas que não se aguenta. De amor a dois e de amor a muitos, de almas gémeas que instintivamente se descobriram, de grupos de amigos que cresceram juntos, que se acompanharam sempre e que hoje mostram aos filhos fotografias juntos com mais de trinta anos.
A minha nunca foi assim. Desde pequena que sou coleccionadora de vidas, de sítios e de histórias. Não consigo contar os meus amigos nem os meus grupos de amigos. Os namorados consigo.
Há uns dias perguntaram-me se era por aqui que ficava.. e como é que se pode responder a uma pergunta que tem sabor a eternidade? Dado o historial não posso, nem devo, responder afirmativamente.
Sinto-me um pouco de cada sítio que quis conhecer, um pouco de cada espaço onde trabalhei. Um pouco de cada pessoa que me arrancou gargalhadas e lágrimas e que me ensinou.
Sou Maria-Lisboa-Carvalho-Chibuto-Newbury Mews-Lourenço Marques-Calabash-Preles-Mem Martins-Damaia-Verdizela-Vidigueira-Skukuza-Palheira-Pomene-Pampilhosa-Carvoeiro-Santos o Velho-Baleal-Campo de Ourique-Campo Grande-Salema-Roliça-Pocariça-São Pedro de Moel-Travanca-Marinha Grande-Piódão-Salvaterra de Magos.
Sou Maria-Ramos-Pinheiro-Mota-Frade-Ribeiro-Campaniço-Moreira-Bettencourt-Atanásio-Ferreira-Reis-Fernandes-Gonçalves-Santos-Daniel-Pereira-Griff-Valente-Botelho-Costa-Guerra-Cunha-Borges-Azevedo-Silva-Pereira-Brás-Machado-Baldino-Gerardo-Gomes-Duarte-Pinho-Godinho-Pinto-Miranda-Seabra-Teixeira-Almeida-Capêlo-Amaro-Tavares-Tomás-Henriques-Diogo-Prazeres-Vaz-Carmo-Alegre-Galrão-Mendes-Curto-Lemos-Fonseca-Calha-Simões-Dias-Ramalho-Campos-Figueiredo-Marques-Martins-Afonso-Victor-Saraiva-Freitas-Manzoni-Gaspar-Coelho-Carvalho-Deus-Loureiro-Gama-Miguel-Nolasco-Marchante-Oliveira-Sobral-Correia-Matos-Passos-Brazinha-Calçada-Magalhães-Catela-Glória-Cortes.
Sou apaixonada por uma boa história de amor, mas não trocava nenhuma pelas minhas.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Destralhar

Curiosamente hoje descobri escrita na net a palavra Destralhar. Nunca tinha pensado nela, eu que gosto tanto de palavras.
Faz seis anos que iniciei o processo de destralhar a minha vida. Uma luta de várias frentes que teve como ponto de viragem o momento em que, ao tirar a roupa de inverno do armário para fazer a mala para viajar para Berlim (onde nevava enquanto em Portugal ainda fazia sol), consegui construir uma montanha de trapos em cima da cama que quase chegava ao tecto. E a de verão continuava pendurada nos armários.
Pensei com os meus (muitos) botões que um só corpo não precisava de tanto adereço. O facto de ter iniciado pouco tempo antes a minha formação nos Bombeiros, e de me ter apercebido quanta miséria humana existia tão perto da minha casa, também teve bastante peso. E foi o ponto final para o verbo comprar.
Comecei por ir descartando o que já há muito não vestia ou calçava.
Seis meses mais tarde aterrei em Moçambique com duas malas que perfaziam trinta quilogramas e uma semana depois percebi que metade das coisas que tinha levado não me iriam fazer falta. Os quatro meses no Chibuto foram fundamentais para me fazer perceber que estava a tomar o caminho certo e fizeram ainda força para que, além dos trapos, me destralhasse também de assuntos pendentes e de pessoas. Batalhas duras que trouxeram inúmeras vantagens na minha vida, no meu dia-a-dia.
A viver em Maputo, com todos os constrangimentos de acesso a bens e quilos contados nas malas de viagem, aprendi que também é possível viver com duas mudas de roupa de cama, duas toalhas de mesa, dois toalhões de banho, e por aí em diante. Dois para um é uma óptima conta.
As circunstâncias da minha vida por esses anos ajudaram, sem dúvida, nesta consciencialização e na coragem para dar passos. Para ajudar à festa, deixei de frequentar centros comerciais e cancelei todas as subscrições de newsletters publicitárias. Não há milagres..
Mas desde então tenho de ouvir a minha mãe cada vez que dou roupa (Como raio é possível ainda ter roupa para dar?!?) e em todas as mudanças de estação me dói a cabeça só de pensar em ter que me enfiar num shopping porque acho sempre que é desta que o que tenho não vai chegar. Mas tenho achado isso desde que voltei para Portugal, em 2015, e a verdade é que tem sempre chegado.
Tenho cinco pares de botas (contando com as galochas cor-de-rosa), outros tantos de ténis, alguns chinelos e alguns sapatos mais formais. A roupa nem conto porque, mesmo tendo uma quinta parte do que tinha há seis anos, tenho ainda a mais.
Para além de gastar o dinheiro em coisas mais úteis, tenho mais (muito mais) espaço nos armários e perco menos (muito menos) tempo a escolher o que vestir.
E a luta vai seguindo passo a passo nas novas casas, nos novos trabalhos e nas amizades.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Mais uma casa em mim

Às tantas não sei onde estou. Qual de mim sou. Misturam-se-me os momentos, as lágrimas, as gargalhadas, os sufocos e os êxtases. As decisões, as loucuras, as perdas e as vitórias. Tenho até pedaços de outros, de sítios e de culturas. Tenho frios e afrontamentos. Tenho quase trinta e cinco anos de mim e nem todas as manhãs me reconheço. Continuo com fome da vida, com fome de mim. Mais um baralho de cartas, novos trunfos e loucas manilhas. Mais um passo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

.

Abraça-me.
Aperta tudo o que sou contra o teu peito torneado.
Espera que me escorram os medos para que restemos só nós, só a loucura, que devolve tantos sonhos.
Abraça-me.





sábado, 18 de fevereiro de 2017

Hoje há festa na aldeia

E hoje tenho saudades tuas, avô. Talvez por te ter perdido à distância, te tenha arrumado mais facilmente no coração. Talvez por nos termos despedido consciente e atempadamente tenha sido mais serena a perda. Todos os dias te lembro e falo de ti mas não posso dizer que é saudade, é outra coisa que não sei dizer. Talvez não saiba nem pensar. Mas hoje são mesmo saudades que sinto. Hoje gostava que voltasses a olhar para mim. Que descesse a escada e te encontrasse a engraxar-me as botas da farda à lareira porque me adoravas ver ataviada. Hoje só tenho saudades tuas, avô.